Pular para o conteúdo

Polícia Federal afirma que Bolsonaro agiu de modo consciente ao cometer crime

A Polícia Federal afirmou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que o presidente Jair Bolsonaro teve “atuação direta, voluntária e consciente” na divulgação de informações sigilosas a respeito da investigação sobre a invasão ao sistema interno do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2018. No documento enviado à Corte, a delegada responsável pela apuração, Denisse Dias Rosas Ribeiro, apontou a prática de crime de violação de sigilo funcional.

O chefe do Executivo foi intimado a depor no caso, mas desobedeceu determinação do STF e não compareceu à oitiva marcada para ontem na sede da corporação em Brasília.

O relatório da PF foi enviado ao Supremo em novembro e tornado público, ontem, após o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, decidir pela retirada do sigilo do inquérito. No documento, Denisse Ribeiro sustentou que não indiciou Bolsonaro nem o deputado Filipe Barros (PSL-PR) — que participou da transmissão em rede social em que foram divulgados os detalhes sigilosos da investigação (leia Entenda o caso) — por se tratarem de autoridades com foro privilegiado.

“Deixo, entretanto, de promover o indiciamento de ambos em respeito ao posicionamento de parte dos excelentíssimos ministros do Supremo Tribunal Federal, que preconiza que pessoas com foro por prerrogativa de função na egrégia Corte só podem ser indiciadas mediante prévia autorização”, enfatizou a delegada no relatório.

É a primeira vez que a PF acusa Bolsonaro. Denisse Ribeiro o enquadrou nos artigos 325 e 327, do Código Penal, que versam sobre utilizar o cargo que ocupa para revelar fatos em sigilo ou ter acesso a documentos restritos. O dispositivo ainda prevê multa e pena de seis meses a dois anos, podendo ser aumentada em virtude do cargo que ocupa. A delegada frisou haver materialidade do crime, “configurada por meio da realização da própria live e dos links de disponibilização do material”.

Ainda no documento, a delegada apontou que o depoimento de Bolsonaro é “medida necessária para prosseguir no processo” e informou que há indícios de crime, também, na conduta do tenente-coronel Mauro César Barbosa Cid — ajudante de ordens do presidente e um dos participantes da live.

Denisse Ribeiro destacou os ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral do país e apontou “similaridade no modo de agir” do presidente. De acordo com ela, o crime em apuração provocou “dano à credibilidade do sistema eleitoral brasileiro, com prejuízo à imagem do Tribunal Superior Eleitoral e à administração pública”.

Ausência

Bolsonaro passou a manhã de ontem reunido com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, e com o advogado-geral da União (AGU), Bruno Bianco, para avaliar estratégias a adotar no caso. Pouco depois do meio-dia, a interlocutores palacianos, o presidente já havia avisado que faltaria à oitiva. A aliados, afirmou que lhe é oferecido “tratamento humilhante”, “pior do que o dispensado a um traficante”.

No lugar de Bolsonaro quem compareceu à PF foi Bianco. Ele entregou nas mãos da delegada uma cópia do agravo regimental que apresentou ao Supremo para que o presidente não deponha aos agentes até que o plenário da Corte julgue a decisão de Moraes.

A iniciativa da AGU, no entanto, foi rejeitada pelo ministro do Supremo. Ele justificou tratar-se de “recurso manifestamente intempestivo por preclusão temporal e lógica”, uma vez que o órgão o protocolou faltando 11 minutos para o horário estabelecido para o depoimento do chefe do Executivo.

Moraes relatou que, em 29 de novembro, concedeu 15 dias para o presidente falar com os agentes, entretanto, próximo ao vencimento do prazo em dezembro, a AGU encaminhou ação para que o depoimento fosse adiado por mais 45 dias (totalizando 60 dias de adiamento desde 29 de novembro). O magistrado lembrou ainda que, em dezembro, ao conceder mais 45 dias ao presidente, Bolsonaro havia aceitado depor.

“No ponto, convém rememorar — diferentemente do que, estranhamente alegado pela AGU no presente agravo — que, ao formular o pedido de dilação do prazo para a sua oitiva, o presidente concordou expressamente com seu depoimento pessoal e restou acentuado que: ‘o senhor presidente da República, em homenagem aos princípios da cooperação e boa-fé processuais, atenderá ao contido no Ofício nº 536307/2021-SR/PF/DF”, concluiu, reiterando que o presidente deve comparecer à oitiva. O magistrado não fixou, porém, nova data para o depoimento.

Documentos sigilosos

O inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o presidente Jair Bolsonaro foi instaurado em agosto do ano passado, logo após o chefe do Executivo divulgar informações sigilosas de investigação da Polícia Federal sobre denúncias de invasão ao sistema interno do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2018.
Na ocasião, em live, Bolsonaro e o deputado Filipe Barros (PSL-PR) deram informações sobre o inquérito e depois publicaram o documento nos seus perfis nas redes sociais. De acordo com os dois, os sistemas digitais do TSE teriam sido alvo de invasão entre abril e novembro de 2018. Eles garantiram que, nesse período, o hacker teve acesso ao código-fonte das urnas eletrônicas.

Reação do TSE

No dia seguinte, o TSE reagiu às denúncias. A Corte afirmou que “o acesso indevido, objeto de investigação, não representou qualquer risco à integridade das eleições de 2018”. “Isso porque o código-fonte dos programas utilizados passa por sucessivas verificações e testes, aptos a identificar qualquer alteração ou manipulação. Nada de anormal ocorreu”, informou.
Também conforme comunicado do tribunal, à época, a PF foi acionada para apurar os fatos. “A investigação corre de forma sigilosa, e nunca se comunicou ao TSE qualquer elemento indicativo de fraude”, destacou a Corte. Segundo enfatizou, “as urnas eletrônicas jamais entram em rede”. “Por não serem conectadas à internet, não são passíveis de acesso remoto, o que impede qualquer tipo de interferência externa no processo de votação e de apuração.”

Entenda o caso

Abertura de inquérito

Após rebater Bolsonaro, o TSE pediu ao STF a abertura do inquérito contra o presidente, apontando a possibilidade de ele ter cometido crimes previstos no artigo 153 do Código Penal, que proíbe a divulgação, sem justa causa, de informações sigilosas ou reservadas, assim definidas em lei, contidas ou não nos sistemas de informações ou banco de dados da administração pública. A pena prevista é de um a quatro anos de prisão.

Moraes atendeu ao TSE e abriu o inquérito de ofício, ou seja, sem que o procurador-geral da República, Augusto Aras, se manifestasse previamente sobre a pertinência da investigação.

Depoimento

Antes de ser intimado a depor no caso, Bolsonaro teve 15 dias, depois prorrogados para 60, para ajustar com as autoridades policiais os moldes em que ocorreria a oitiva e informar o Supremo. Como o presidente não indicou local, dia e horário para a realização do interrogatório no prazo de 60 dias — que expirou ontem —, Moraes determinou a intimação dele para depor.